Estatutos para a Confraria de Nossa Senhora de Porto d’Ave de 1886 |
Aos fieis devotos de Nossa Senhora de Porto d’Ave
Maria Portus salutis, ubi figenda est anchora nostrae opei
Maria é Porto de salvação aonde devemos lançar a ancora da nossa esperança
De grata recordação para os fieis de Nossa Senhora de Porto d’Ave são esses passador tempos que, tendo ainda em 4 de Outubro de 1730º crente e piedoso mestre escola Francisco de Magalhães Machado conduzido em seus braços da egreja parochial d’esta freguesia de S. Miguel de Thaide para este, então quasi deserto, solitário e escabroso local Porto d’Ave a imagem da Santissima Virgem,- se viu dentro de poucos annos esse efecto que elle lhe consagrava, sues trabalhos, suas santas aspirações – tudo coroado com a mais incendida e vasta devoção para com esta soberana Rainha do Ceu.
Na verdade, ninguém pensaria que aquella sancta imagem, por muito tempo venerada na referida egreja com o titulo de Nossa Senhora do Rosario, mas depois retirada do culto publico, por muito deteriorada pela acção do tempo, e, até, a final sentenciada por um visitador ecclesiastico á perda da existência,-havia de ser, em virtude das humildes supplicas do mestre-escola perante aquelle visitador, alliviada de tal sentença, renovar-se, por assim dizer, como a Phoenix, e vir para aqui, como a mulher do Aphocalypse, a quem foram dadas duas azas, a fim de voar para o deserto, - acolher sob a sua protecção a todos aquelles que com fé e confiança a ella recorrem como porto seguro.
Tam pouco se poderia suppor que, colocada pelo mestre-escola esta sancta imagem n’uma rude capella de giestas e coberta de colmo e algumas telhas, que se vinham apertando os meninos, - havia de ver-se tão pobrinha palhoça já em 1734 substituida por uma solida capella; e esta, decorridos so 20 annos mais, por um magestoso templo com bôas torres, relogio e dous orgãos, e acompanhado de septe capellas para os passos da Senhora, fontes e aquartellamento para romeiros,- cujo conjunto, com o mais que depois se foi fazendo, e sem duvida um monumento de gloriosa memoria nacional, um sanctuario, que, depois do Bom Jesus do Monte, tem o primeiro logar entre todos os que se admirão n’esta bella e encantadora provincia do Minho.
Pois tudo isto se realizou fóra da expectativa e com geral satisfação; porque a Senhora dos Milagres como por muitos annos lhe chamarão pelos innumeráveis que ella ostentava e pelas graças e favores que liberalmente distribuía, - quis d’este modo recompensar a grande fe e devoção terníssima que o virtuoso Magalhães mAchado patenteára, ajoelhando e vertendo
Lágrimas, pedia ao visitador aquella sua antiga e desprezada imagem, para continuar a veneral-a [sic]; - quis dar-lhe a conhecer quanto lhe erão agradáveis as ladainhas e outras devoções que elle com os seus inocentes discípulos ai diariamente á capelinha canta em seus louvor, e as grinaldas de flores naturaes com que ahi, em testemunho de amor, tinha de costume coroal-a [sic], - e quereria também estimular-nos a nós todos a tributar-lhe o nosso affecto, pôr n’ella a nossa confiança, e prestar-lhe os seus serviços .
Movidos pois por estas considerações alguns actuaes devotos de Nossa Senhora de Porto d’Ave, desejosos da conservação e prosperidade do seu magestoso sanctuario e dos esplendoros cultos que nelle se lhe tributão, para o que já se vai notando e , até, lamentando a fallencia de meios, - resolveram para conseguir este fim, com o auxilio da Virgem, associar-se em confraria com o titulo da mesma Senhora de Porto d’Ave adoptando como regra o presente Estatuto.
Elles fazem vostos para que todos venhão alistar-se debaio d’esta gloriosa bandeira, attrahidos pelos perfumes d’esta candidíssima Virgem Senhora de Porto d’Ave, que para todos n’ella esperão, a amão, e servem, é Porto seguro de eterna salvação.
Maria Portud salutis, ubi figenda est anchora nostrae opei. |
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Capitulo I |
Natureza e fins da Confraria |
Artigo 1º |
A confraria da Santissima Virgem Maria, Nossa Senhora colocada no Sanctuario de Porto d’Ave, freguezia de S. Miguel de Thaide, concelho de Povoa de Lanhoso, é uma associação d’individuos de ambos os sexos, que professão a Religião Catholica Apostolica Romana, e tem por fim.
1ª Promover o culto e veneração da Santissima Virgem Maria no Mysterio do seu Milagroso Nascimento;
2º Zelar pela conservação e melhoramento do referido Sanctuario e suas dependências, e promover a construção de quasquer obras, que de futuro se julgue necessário fazer;
3ª Adquirir para os confrades e Benfeitores os socorros espirituaes e temporaes, que taes instituições podem e devem proporcionar. |
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Capitullo II |
Da admissão dos confrades |
Artigo 2º |
São admissíveis para Confrades todos os fieis christãos de ambos os sexos que tiverem boa conducta moral, civil e religiosa, excepto:
1ª Os menores não emancipados que não apresentarem licença expressa de seus paes ou tutores;
2ª As mulheres casadas que não apresentarem auctorisação expressa de seus maridos. |
Artigo 3º |
A proposta para a admissão dos Confrades pode ser feita por qualquer membro da Meza, e será decidida por esta em escrutínio secreto
§ único – Para o proposto ser admittido Confrade é necessário que obtenha maioria absoluta. Não a tendo, so passado um anno poderá ser novamente proposto. |
Artigo 4º |
Cada pessoa do sexo mascolino, que fôr admittida para confrade, pagará de entrada, até a idade de trinta annos mil e quinhentos reis, - d’ahi ate quarenta dous mil reis- até cincoenta dous mil e quinhentos, e- d’ahi para cima trez mil reis. |
Artigo 5º |
Cada pessoa do sexo feminino que for admitida para confrade pagará d’entrada o mesmo que determina o artigo antecedente, salvo sendo mulher casada, cujo marido tenha servido, ou esteja servindo de meza, que neste cazo será contemplada com o abatimento de mil reis, ao total da sua entrada, mas somente dos quarenta annos para cima. |
Artigo 6º |
Resolvida a admissão e lavrado o competente termo, que se assignado pelo Juiz, Secretario e Thesoureiro, o nome admitido será inscripto no livro dos Confrades, depois de ter satisfeito a respectiva entrada, sem o que não será Confrade para effeito algum. |
Artigo 7º |
Á Meza também assiste o direito se admittir para Confrades
1ª Os Benfeitores que derem donativo, ou quantia, não inferior a vinte mil reis, livre de qualquer encargo.
2ª os devotos de Nossa Excelsa Pedroeira que se encarregarem do peditório na freguezia, ou freguezias que lhe forem designadas pela Meza, logo que das respectivas patentes, que para esse fim lhes hão de ser entregues e na quaes serão descriptas anualmente as esmolas recebidas, se mostrar que estas chegam á quantia de seis mil reis;
3ª Qualquer das pessoas das famílias dos irmãos dos pedidores, indicada por estes, quando continuarem a fazer o peditório e obtiverem a quantia fixada no numero precedente.
§ único - Em qualquer dos cazos previstos n’este artigo a parte da esmola, ou esmolas correspondentes á entrada, passará a capital, ou fundo da Confraria. |
Artigo 8º |
Todos os admitidos a Confraria ficão obrigados á inteira observância d’este compromisso, e não poderão em tempo algum reclamar a sua entrada. |
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Capitulo III |
Do pessoal Mesa |
Artigo 9º |
A mesa compõe-se de Juiz- Secretario – Thesoureiro – Procurador – Vedor das obras – Mordomo do Sanctuario – e Mordomo das Capellas, os quaes exercerão gratuitamente o cargo para que forem eleitos. |
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Capitulo IV |
Da eleição da Mesa |
Artigo 10º |
A eleição será directa, e todos os confrades do sexo masculino, ou legalmente emancipados, serão eleitores, com tanto que se achem dos seus direitos. |
Artigo 11º |
São elegíveis todos os Confrade:
1º Os que receberem salario ou ordenado devidas á confraria.
2º Os que forem devedores, ou fiadores de quantias devidas á confraria.
3º Os que tiverem pendencia com ella, ou que figurem parentes seus até ao terceiro grau por direito civil.
4º Os que tiverem feito parte da mesa dissolvida pela autoridade.
5º único- A inelegibilidade dos Confrades compreendidos no nº 4 e so extensiva á primeira eleição posterior á dissolução. |
Artigo 12º |
No primeiro domingo do mez de Junho pelas dez horas da manhã, serão convocadas, ao som do sino corrido, todo os Confrades eleitores nos termos do artigo 10, que se reunirão na Sanctuario, a fim de se proceder á eleição da Mesa administradora desta Confraria. |
Artigo 13º |
Não podendo verificar –se n´este dia a eleição por não ter concorrido a votar a maioria dos Confrades, ou por outro qualquer motivo imprevisto, realizar-se-há no domingo seguinte, devendo n´esta hyppotese considerar-se valida qualquer que seja o numero dos votantes. |
Artigo 14º |
Reunidos os Confrades em qualquer das Hyppotheses previstas nos artigos antecedentes, o Juiz, e no seu impedimento, o Secretario, proporá á assembleia com seis nomes dos Confrades presentes para a formação da Mesa eleitoral, servindo dous de Secretario, dous de Escrituradores, e dous de Revesadores, que serão confirmados por aclamação ou sbstituidos pela mesma assembleia e pela forma e nos termos das leis eleitoraes. |
Artigo 15º |
Constituída a Mesa eleitoral, que será presidida pelo Juiz ou Secretario da Mesa administradora cessante, proceder-se –há á eleição da nova Mesa administradora. |
Artigo 16º |
A eleição será feita por meio de uma só lista em papel branco e sem signal algum externo, compreensiva de sete nomes com a designação dos cargos para que são votados, e por escrutínio secreto e á pluralidade de votos, observando-se todas as formalidades, que a lei recomenda para actos eleitoraes.
§ 1º Dado o caso de empate preferirá o confrade mais antigo, e em igualdade de circunstancias, o mais velho em edade.
§ 2º No caso de eleição para mais d´un cargo prefere o que designar a Meza eleitoral.
§ 3º Á mesa compete decidir sumariamente quaisquer duvidas ou reclamações e recursos para a autoridade competente. |
Artigo 17º |
Eleita assim a Mesa administradora, se lavrará acta, que será assignada pelo Presidente e mais vogaes da mesa eleitoral, devendo o Secretario da mesa administradora cessante officiar a cada um dos eleitores, dando-lhe parte da sua eleição, para tomar posse no dia primeiro do mez de Julho. |
Artigo 18º |
Se algum dos eleitos, por justos motivos, não poder acceitar o logar para que foi eleito, o participará á mesa administradora cessante, no praso de três dias a contar do da comunicação, e, attendido, será chamado por sua ordem o immediato em votos até que se encontre quem occupe o logar; e dado o caso de ser admittida a escusa de todas os chamados, se procederá a nova eleição para os cargos vagos, observando-se todas as formalidades prescriptas n´este capitulo, e de lavrará a competente acta. |
Artigo 19º |
Nenhum Mesario pode ser obrigado a servir por mais de un anno, salva a sua annuncia, e nenhum pode servir quatro annos consecutivos. |
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Capitulo V |
Do modo de substituir os membros da Mesa. |
Artigo 20º |
Se dentro dos primeiros seis mezes da gerência da mesa alguns dos seus membros fallcer, ou se ausentar para fora do Reino, ou por algum caso axtraordinario se impossibilitar de ocupar o seu logar, será chamado o Confrade immediato na votação para o mesmo cargo, e, se nenhum houver, proceder-se-há a nova eleição d´outro membro que o substitua, sendo esta eleição feita na conformidade do capitulo iV. |
Artigo 21º |
Se os impedimentos de que tracta o artigo antecedente se derem depois dos primeiros seis mezes da gerência das Mesas será chamado o confrade immediato na votação, e, se nenhum houver votado para o mesmo cargo, ou não acceitar, será chamado aquelle que tiver servido anteriormente idêntico logar. Se este não poder acceitar, será chamado aquelle que, anteriormente a elle, tiver servido o mesmo logar; e, se este ainda não poder acceitar, se irá seguindo na ordem ascendente ate se encontrar um que acceite o logar do impedido. |
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Capitulo VI |
Da Mesa e suas attribuições |
Artigo 22º |
A Mesa eleita só começará a sua gerencia no primeiro dia do mês de Julho, terminado no ultimo dia do mez de Junho seguinte, não podendo antes d´aquelle primero dia de Julho praticar acto algum de administração. |
Artigo 23º |
A Mesa celebrará as sessões que forem designadas pelo Juiz, ou, no seu impedimento, pelo Secretario, a fim de resolver e delibrar sobre todos os negócios tendentes ao bom regimem e administração da Confraria.
§ único- Reunir-se-há também quando três membros da Mesa, ou dez Confrades, o requerem verbalmente ou por escripto. |
Artigo 24º |
A Mesa só se julga reunida e poderá funccionar quando, previamente convocadas todos, estejam presentes pelo menos quatro dos seus membros, e for presidida pelo Juiz, ou, no seu impedimento pelo Secretario. |
Artigo 25º |
As deliberações da mesa são tomadas á pluralidade de votos dos membros presentes.
§ único- Nos casos de empate o presidente tem voto de qualidade. |
Artigo 26º |
As decisões da mesa serão verificadas por votação nominal.
§ 1º Serão feitas por escutinio secreto todas as votações que envolveram do mérito ou demérito de quelquer pessoa.
§ 2º Quando houver empate na votação por escrutínio secreto, ficará o negocio addiado para s sessão ou sessões immediatos ate se obter vencimento. |
Artigo 27º |
Quando em Mesa se discutir negocio, que dia respeito a algum membro d´ella, ou a algum seu parente, esse membro se retirará para deixar livre a discussão, e, resolvido esse negocio, retomará o seu logar. |
Artigo 28º |
A Mesa competem as obrigações e atribuições seguintes:
1º Tomar posse no primeiro dia di mês de Julho e dentro dos seguintes trinta dias receber os dinheiros títulos, objectose mais bens da Confraria á vista do inventario apresentado pela mesa anterior, lavrando-se o competente termo de entrega, que será assignado por ambas as Mesas.
2º organizar ate ao dia trinta de Julho as contas da sua administração, ligalisando-as co os seus respectivos documentos, e fazer entrga á mesa nova todos os dinheiros, títulos, alfaias e mais bens da Confraria á vista das contas e do competente inventario.
3º Discutir e approvar os orçamentos ordianarios ou suplementares, por annos economicos da receita e despeza da Confraria na épocas determinadas por lei, ou quando se tornem necessarios;
4º Tomar conhecimento das propostas para a admissão de Confrades, e resolver sobre ellas em conformidade com este estatuto;
5º Nomear os empregados e seventes que forem necessarios para o serviço da Confraria, preferindo em circunstancias idênticas os nossos Confrades, estipulas-lhes vencimentos, ou ordenados, e marca-lhes condições;
6º Despedir os empregados e seventes quando não cumpram as suas obrigações. Salva a dipozição do artigo 50º d´este estatuto;
7º Resolver sobre a convivência ou necessidade da convocação extraordinaria da assembleia geral;
8º Comprar todas as alfaias e objectos de culto e fazer todas as obras; reparos e despezas para que estiver autorizada;
9º Mandar satisfazer os sufrágios pelos Confrades falecidos e todos os legados pios e profanos a que esta Confraria estiver obrigada segundo as intuições dos bemfeitores;
10º Dar procuração para todas as pendências judiciais e contractos da confraria, e mandar propor em juízo todas as acções necessarias tanto para a cobrança de capitaes, com para defender os direitos da mesma;
11º Vigiar constantemente pela boa arrecadação dos bens e rendimentos da Confraria, e acceitar a beneficio d´inventario, e sem necessidade de licença, todas as heranças ou legados que forem deixados á mesma Confraria, não ficando esta obrigada a encargos superiores á forças da mesma herança, ou legados;
12º Propôr a acquisição ou alienação de bens de raiz segundo as leis vigentes da desamortização e seu regulamento.
13º Empregar em inscripções de divida fundada ou em acções de Bancos e Companhias auctorisadas pelo governo, os fundos da Confraria, ou, se o julgar mais cinveniente, mutual-os a juro, não menor de cinco por cento e livre de qualquer imposto, ou contribuição, seja qual for a sua denominação, por ecriptura publica, com boa e solida hypotheca, e, sendo necessário, com dous fiadores idóneos, renunciando todos o foro do seu domicilio, quando seja differente do da Confraria; porem não poderá ser mutuado a algum membro da Mesa ou parente seu até terceiro grau por direito civil;
14º Empregar todas as diligencias na segurança do dinheiro que se empregar a juro, exigindo certidão da respectiva conservatória que mostre não pesar sobre hypotheca offerecida qualquer outra, assim com certidão do registo provisorio a faocr da Confraria, seguindo-se o definitivo no prazo legar, quando seja levado a effeito o contracto, tudo isto debaixo da immediata e solidaria responsabilidade da Mesa que commetter qualquer omissão;
15º Mandar tirar o retrato de todo o bemfeitor que der esmola suprerior a cem mil reis sem encargo algum para a Irmandade;
16º Organisar e aprovar os regulamentos especiaes para os empregados da Confraria, e fazer-lhes as alterações que o deverem ser;
18º Mandar fazer novos inventarios ou os addicionamentos que forem necessarios;
19º Despachar os requerimentos que lhes forem dirigidos;
20º Assignar as apresentações necessarias;
21º Assistir a todas as festividades designadas n´este estatuto , e delibrar sobre a forma dos convites aos Confrades para assistência ás festividades e acompanhamento dos Confrades defuntos das freguesia;
22º Cumprir e fazer cumprir com religiosa festividade as prescipções d´este estatuto e seus regulamentos, e tudo o mais que julgar necessário do interesse da Confraria;
23º Resolver todos os casos duvidosos d´este estatuto e providenciar sobre todos os ocorrentes que não forem da exclusiva competencia da assembleia geral. |
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